quarta-feira, 25 de novembro de 2009

É o direito estúpido, é o direito...

Há coisas na vida que se arrastam por tempos indetermináveis. Todos, sem excepção conseguimos realizar um exercício de memória e recuperar no baú duas ou três coisas que temos de fazer, mas que não nos tem apetecido... Resultado, a coisa arrasta-se por muito tempo até que tem mesmo de ser!
Acontece coisa parecida com o caso "Casa Pia".
Não me irei alongar sobre coisas que não domino, nomeadamente, efectuar o triste número dos "ses" e "na minha opinião", mas como cidadão e, acima de tudo, profissional que trabalha directa e indirectamente com crianças e jovens (em e sem risco) há um conjunto de aspectos que me afligem, inquietam e preocupam no que concerne à forma como um caso tão "pantanoso" se arrasta durante tanto tempo, sem que haja um fim aparente à vista. As considerações não têm, obviamente, qualquer relação directa com a noticia que motiva este texto.
1. Se a justiça não cria mecanismos de se tornar mais célere, independentemente do caso em questão, na promoção da defesa do SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA e no cumprimento do direito de menores, corremos o risco dos menores o deixarem de ser (em 7 anos, uma criança de 12 desenvolve-se num adolescente de 19), passando tais acontecimentos a pesar definitivamente e irremediavelmente sobre os "ombros" dos jovens. Isto é inaceitável para o bom desenvolvimento psíquico e afectivo de qualquer pessoa, quanto mais nas idades em que a identidade se começa a formar e consolidar.
2. O SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA nem sempre é salvaguardado, estando dependente, caso a caso, dos respectivos procuradores, advogados e juízes. Ou seja, não há efectivamente o respeito pelo SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, o que existe são procuradores mais ou menos hábeis, advogados mais ou menos competentes e juízes mais ou menos conservadores na defesa... da moral e dos bons costumes (pergunto-me se o superior interesse da criança será salvaguardado pela defesa da moral e dos bons costumas, seja lá o que isso for).
3. Não posso aceitar que exista perversidade de quem decide em não respeitar o superior interesse das crianças, tomando assim decisões deliberadamente prejudiciais aos menores. Contudo, é inegável uma lacuna tremenda na formação dos magistrados quanto às idiossincrasias que cada criança, ou seja, cada caso (sim, porque cada caso é, pelo menos, UMA CRIANÇA) oferecem.
4. É absolutamente imprescindível que se analise o que de facto oferece ao caso (criança) o seu superior interesse, reconhecendo que muitas vezes isso contraria a moral e o bom costume da nossa tradicional e paternalista sociedade (conservadora quanto aos valores da "família"e do "casamento", mesmo que seja uma família mal tratante, mesmo que seja um casamento inócuo e vazio). Nem sempre a família é o melhor, ou sabe o que é o melhor para a criança, nem sempre os casamentos são sinónimo de estabilidade e segurança.
5. Reconhecer que o superior interesse da criança é aquele que lhe proporciona um contexto equilibrado, que suporta a sua exploração do mundo e lhe dá significado, um contexto que a ajude a "ler o mundo à sua volta", um contexto que estrutura, que acarinha e que repreende, um contexto que promove o seu desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional.

Tudo isto num país em que o "compadrio" fala mais alto do que qualquer discussão séria que se pretenda ter...

É o direito estúpido, é o direito...

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