quinta-feira, 15 de julho de 2010

Uma questão de perspectiva. Outro olhar sobre os exames...


Todos os anos se versa sobre a dificuldade dos exames e a sua correlação com os resultados obtidos pelos alunos. Fazendo um exercício de lógica a "olhómetro", diremos que quanto maior a primeira, piores serão os segundos.

Resta perceber porque é que perante exames mais difíceis os alunos costumam claudicar de forma tão acentuada para que os profetas da desgraça e cépticos da escola pública venham a terreno reclamar mais exigência e mais trabalho. Naturalmente nada a argumentar contra a exigência (que deve ser máxima) e o trabalho (que deve ser de qualidade, mais do que em quantidade).

Contudo, será sobre este último ponto, parece-me, que importa reflectir.

O senso comum, ou se quisermos, o 'eduquês', refere que está instalado nas escolas públicas o facilitismo, em que os alunos transitam sem saber ler, escrever, contar ou pensar. Para contrariar esta letargia devem os professores adoptar uma postura rigorosa e exigente face ao desempenho dos seus alunos. Algo que também as ciências da educação têm vindo a defender e propor. Porém, existem aspectos de divergência importantes entre o que o 'eduquês' e as ciências da educação preconizam sobre a organização do trabalho dos alunos.

Num texto recente, referi que competências e conteúdos não devem ser confundidos como sendo a mesma coisa, conceitos que por vezes surgem baralhados na cartilha do 'eduquês'. Ora de facto o trabalho dos alunos é, na maioria das escolas, muito orientado para os conteúdos (tal como o 'eduquês' propõe que seja realizado) sem que se trabalhem as competências que possibilitam aos estudantes a compreensão do que é necessário fazer para resolver situações problemáticas. Assim, o que verificamos com frequência a partir de meados de Março até ao fim do ano lectivo, nos anos terminais de ciclo (4º, 7º, 9º e 12º), é uma clara orientação do trabalho dos alunos para a resolução desenfreada de exercícios e provas semelhantes às que encontrarão no fim da sua jornada. Daqui resulta que, quando os exames seguem uma matriz semelhante aos exames efectuados no ano anterior os alunos acabam por estar 'habilitados' para a resolução do 'tipo de exercícios' propostos nas provas.

Na linha do que alguns dos opinion makers do 'eduquês' preconizam, a exigência dos professores deve ser para que os alunos repitam muitas vezes a resolução de problemas até que esta se torne automática. Perante uma nova situação problemática, mais doses elevadas de trabalho de repetição para a sistematização de nova forma de resolução. Só desta maneira se garante o "sucesso, rigor e exigência", dizem os 'educólogos'. Quanto mais exercícios iguais repetirem maior probabilidade de sucesso! Desde que a matriz seja igual... Mas, e se não for? E se os exercícios dos exames exigirem que os alunos utilizem outras competências do encéfalo para além da memória? Começam os problemas! Os exames são difíceis! Os resultados uma miséria! Podera!!!! Ninguém explicou...

Naturalmente, quando os exames não seguem a matriz dos seus antecessores o risco de insucesso para os alunos é efectivamente superior. O que acontece é que os alunos não são preparados para generalizarem competências e conteúdos adquiridos anteriormente para a resolução de problemas novos. Apenas estão treinados a realizar o mesmo tipo de resolução para um número finito de enunciados, quais operários numa linha de produção fabril.

Um estudo de Perels, Gürtler e Schmitz (2005) publicado na Learning and Instruction (15, pp. 123-139) mostra precisamente que quando os alunos são levados a desenvolverem COMPETÊNCIAS na resolução de problemas acabam por ser tornar mais EFICAZES quando aparecem situações problemáticas novas do que os alunos que apenas TREINAM exaustivamente a resolução de enunciados, ou seja, os alunos que repetem o mesmo tipo de exercício até atingirem os automatismo da sua resolução. Principal conclusão, os primeiros conseguem generalizar para novas situações estratégias não directamente associadas ao problema colocado. Os segundos têm mais dificuldade.

Então resulta que os alunos, para conseguirem ultrapassar o tormento dos exames, cuja discussão não tem de ser sobre o seu grau de facilidade ou dificuldade, mas antes se avaliam o que têm de avaliar (uma vez que este instrumento veio para ficar), devem ser orientados para desenvolverem competências que lhes permitam ir além dos conteúdos trabalhados.

Só assim se garante que independentemente do tipo de questão nos exames, os alunos adquirem o instrumento fundamental (O PENSAMENTO) para a resolução dos problemas. Assim, se fazem parte do curriculo o desenvolvimento de COMPETÊNCIAS e CONTEÚDOS, não se podem trabalhar apenas os segundos em detrimentos das primeiros.

Treinem todo o ano para fazer ponto cruz e, chegada a altura de aplicar os conhecimentos, afinal é preciso saber bordar...

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