quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dois logros do Eduquês - uma análise ao texto de Guilherme Valente no expresso de 3 de Julho

A insistência em denominar o estudo científico das matérias associadas à educação de eduquês remete os próprios para algumas tomadas de posições tanto ignorantes, pela ausência de rigor, como estapafúrdias.

Imagem Tonucci

Quando se refere que se ensina a 'aprender a aprender' não se diz que não se ensinam os conteúdos que os alunos devem aprender. Uma coisa NÃO É sinónimo da outra.

Pozo, Monereo e Castelló (2004), referem que numa sociedade cada vez mais plural em que o acesso ao conhecimento está mais massificado do que nunca, seria impossível para a maioria reter a quantidade imensa de informação que existe. Basicamente, é impossível saber tudo, sobre tudo, em todos os momentos da nossa vida. Um dos pressupostos base desta premissa tem sido os estudos das neurociências que indicam que a nossa memória tem uma capacidade limitada de armazenamento a curto e médio prazo.

Daqui decorre que a utilização da memória, entenda-se decorar e empinar os conteúdos escolares, ou seja, "aprender" para o eduquês, não será a forma mais duradoura de assimilar e integrar o conhecimento. O que importa não é tanto ter muita informação armazenada, mas antes, saber o que fazer com ela e mobilizá-la quando necessária. A vida, vai muito para além dos testes, provas de aferição e exames nacionais...

No fundo, 'aprender a aprender' implica que as crianças sejam levadas a PENSAR sobre como obter determinada informação e qual a forma mais eficaz de a reterem. Ensinar a pensar SOBRE OS CONTEÚDOS ESCOLARES, NÃO EM SUA SUBSTITUIÇÃO. Diversos estudos (Novak, 1998; Coll & Solé, 2004) mostram que estratégias mais responsivas de ensino são mais eficazes a longo prazo do que estratégias mais directivas.

Vejamos, segundo Guilherme Valente 'aprender a aprender' matemática é um logro. De facto, aprender matemática é decorar a tabuada, resolver muitos problemas e decorar fórmulas e teoremas. Por absurdo, imagine-se que se conseguiriam criar infinitas situações problemáticas (afinal não é absurdo, é mesmo possível). Se as quisermos aprender teremos de exercitar as infinitas formas de resolução? É mesmo a única forma de aprender matemática? Ou será que aprender matemática é desenvolver o raciocínio lógico-matemático e a generalização de estratégias eficazes à resolução de problemas diferentes utilizando a tabuada, fórmulas e teoremas? Confusos? Chama-se: utilização estratégica do conhecimento (Pozo, 1996) e diz que os alunos com mais sucesso na resolução de problemas novos são os que são capazes de utilizar estratégias apreendidas anteriormente e GENERALIZAR os conteúdos apreendidos para uma situação inesperada e nova. Aprenderam a aprender e desenvolveram a competência de raciocinar logicamente, ou será que aprenderam por osmose?

Nas palavras de Guilherme Valente, quando 'pretender contratar um tradutor de Inglês, não indagarei se os candidatos sabem "aprender a aprender", mas se sabem, pelo menos Inglês e Português'. Qual será o LOGRO desta frase que nos parece inequívoca? Compreenderá o leitor que de facto ele existe.

Imaginemos que o tradutor contratado sabe Inglês e Português. Imaginemos que, por alguma razão, surge um novo acordo ortográfico que altera as regras da escrita. E agora? Precisaremos de um outro tradutor porque ele apenas sabe (muito, entenda-se) de Inglês e Português anterior ao acordo ortográfico? Será que não ficaríamos melhor se contratássemos um tradutor sabendo que, caso surgissem alterações, ele teria a capacidade de SE ACTUALIZAR, ou seja, saberia aprender novas informações sem ficar cristalizado no antigamente?

Na mesma toada refere-se Guilherme Valente ao logro das 'competências' que enganam o incauto, ou seja, o leitor que não pensa como o autor. Compreenderá Guilherme Valente que competência e conteúdo não serão a mesma e única coisa e que no seu texto parecem vir um pouco baralhadas estas noções. Não sendo especialista em Filosofia Medieval não saberei dizer quais os CONTEÚDOS que um estudante deverá dominar, mas imagino as COMPETÊNCIAS para que seja capaz de pensar e apreender os CONTEÚDOS. Talvez necessite de ser competente na utilização do pensamento reflexivo, assim como na análise critica de textos, problemas e enunciados. Serão estas competências transversais, ou para cada autor (conteúdo) terá o estudante de aprender tudo de novo?

De facto, um estudante universitário necessita de chegar preparado ao Ensino Superior, com um conjunto de conteúdos adquiridos que lhe servirão de base para a aquisição de outros. Mas, mais do que noutro contexto, se o estudante não souber 'aprender a aprender' terá muitas dificuldade em conseguir concluir o curso. Para além do que necessita de saber como ponto de partida, o estudante tem de perceber qual a melhor forma de estudar determinadas Unidades Curriculares, de organizar o seu conhecimento, de o amadurecer. Terá de ser capaz de 'aprender a aprender' as pontes de ligação entre os conteúdos das diferente Unidades Curriculares para construir um pensamento próprio e inovador. Será que entenderá Guilherme Valente que aprender é replicar o anterior sem inovar, sem questionar, sem analisar?

Concordo com Guilherme Valente quando refere que o eduquês procura tornar todos iguais (sendo ele um dos espelhos máximos desse mesmo eduquês). As Ciências da Educação procuram promover o conhecimento necessário para que todos (não se pode tratar da mesma maneira o que é diferente) possam DESENVOLVER na escola as COMPETÊNCIAS (por exemplo, analisar e interpretar textos de forma crítica) necessárias para apreenderem e compreenderem os CONTEÚDOS curriculares (por exemplo, o que é um texto informativo ou narrativo).

Ao contrário do que Locke defendia não somos todos tábuas rasas que aprendemos apenas o que nos ensinam. As Ciências do Comportamento já nos mostraram que somos parte integrante do processo de aprender de forma activa, participada e construtiva e que a partir de determinada altura (educação ao longo da vida) temos de SABER APRENDER, temos de ser autónomos na forma como adquirimos o conhecimento.

Se não for na escola que nos ensinam a aprender não seremos mais do que adultos amorfos e acríticos do Mundo que nos rodeia. Talvez seja a intenção do verdadeiro eduquês, o de criar cidadãos incautos... óptimos a replicar, incapazes de pensar...

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